A Potência da CULTURA – ensaio com sugestões para programas de governo
Célio Turino - Ex-Secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura Foto: Alexandre Lucas |
Por Célio Turino*
E se a Cultura fosse prioridade em programas de governo? Ela seria
reconhecida como o fio condutor que une o direito à saúde, ao
transporte, à moradia, à educação, ao trabalho, à cidade… à cidadania.
Cultura como arte, habilidades humanas, mas para além das artes e da
expressão simbólica, Cultura como comportamento, como atitudes e valores
que se expressam desde as mínimas relações no cotidiano à economia.
Assim, teríamos programas de candidatos e candidatas às prefeituras que
tratariam a Cultura em toda sua Potência, central e transversal.
Como primeira medida, o fortalecimento das Secretarias e órgãos de
gestão da Cultura. Não é possível que a Cultura continue sendo tratada
como mero ornamento, com políticas públicas acanhadas e concentradas,
tanto no espaço geográfico, quanto social, ou restritas à realização de
eventos e atividades artísticas pontuais. Em São Paulo, por exemplo, se
de um lado houve a positiva e necessária recuperação de espaços como o
Teatro Municipal e a Biblioteca Mário de Andrade, além da incorporação
da Virada Cultural (que, em meu modo de ver, deve ser mantida e
aperfeiçoada) ao calendário da cidade; de outro, o investimento em
Cultura, para além do centro da cidade ou para além de um grande evento
anual, ficou praticamente abandonado. E este é o retrato de praticamente
todo o país, em Campinas a mediocrização da gestão cultural vem desde o
final do século passado (e, infelizmente, enquanto paro para pensar em
alguma exceção positiva, poucos exemplos me vêem à cabeça, talvez
Suzano, na grande São Paulo, não muito mais que isso). Ao menos em
cidades mais dinâmicas, como São Paulo, outros agentes e instituições
assumem um papel mais ativo que as prefeituras na vida cultural da
cidade; como o SESC paulista e sua programação de vanguarda, ou a
iniciativa privada financiada com recursos de renúncia fiscal (mas neste
caso reduzindo a Cultura à dimensão Mercadoria), além de manifestações e
organizações autônomas da sociedade (como os saraus literários de
periferia ou os pequenos teatros de grupo). Sem dúvida, em cidades com
as dimensões de São Paulo esta pluralidade de agentes culturais, pode e
deve ser estimulada; todavia, o que não pode mais continuar acontecendo é
o fraco protagonismo do poder público municipal, não somente em São
Paulo como em quase todos municípios do Brasil.
Tanta coisa boa poderia acontecer se as gestões municipais fossem
estruturadas a partir de uma visão ampla integradora da Cultura, sob o
conceito da cidadania cultural. Aqui exercito um ensaio de como isso
poderia se realizar na prática, em programas de governo. Penso em quatro
macro-programas, interligados e transversais, não somente entre si, no
âmbito de atuação das secretarias de Cultura, mas em inter-relação com
as demais secretarias e programas do governo municipal. Estes programas
matriciais deveriam se desdobrar em Ações e Iniciativas, conforme
apresento a seguir.
Programas e Ações
CULTURA em REDE
Um retrato da desigualdade: abundância e escassez na distribuição dos
equipamentos culturais. No caso de São Paulo, há regiões da cidade, ou
mesmo uma única avenida ou parque público, que concentram diversos
equipamentos culturais da mais alta qualidade, enquanto regiões
inteiras, com centenas de milhares de habitantes, ou mesmo milhões,
sequer dispõem de um único teatro ou biblioteca adequados. Fazer uma
política democrática de Cultura pressupõe reverter este quadro, que se
repete em milhares de cidades brasileiras, boa parte delas com ausência
total de equipementos culturais, contando, no máximo, com alguma
biblioteca funcionando em condições precárias.
Em São Paulo esta situação começou a ser modificada quando da
implantação dos CEUs, no governo da prefeita Marta Suplicy; porém, com a
mudança de governo houve uma descontinuidade, com o apequenamento do
projeto original; e os novoss CEUs, que perderam espaços de lazer e
cultura, como teatro, área para oficinas culturais ou mesmo instrumentos
musicais para orquestra e demais equipamentos indispensáveis para o bom
desenvolvimento de uma ação cultural. Repetindo o vício de se
privilegiar o invólucro no lugar do conteúdo (ou a estrutura no lugar do
fluxo, ou a casca no lugar da gema), o máximo que as propostas de
governo alcançam é propor a construção de novos (e custosos)
equipamentos culturais. Sim, eles são necessários, mas o principal
objetivo de um programa Cultura em Rede não seria a construção, mas a
articulação (por isso Cultura em Rede) dos espaços culturais já
existentes, qualificando sua estrutura e potencializando sua
programação. Há tantos espaços desperdiçados por aí, por vezes um teatro
em escola, barracões, salas de ensaio; por que não utilizar-los de
forma mais intensa? Inclusive os privados e com pouco uso, que poderiam
ser incorporados à rede via conveniamento. Não é possível que uma cidade
com 93 distritos, cada qual com população média de 100.000 pessoas,
como no caso de São Paulo, não contem com, ao menos, um teatro, uma
biblioteca, um cinema, um museu e um espaço para oficinas culturais,
cursos de iniciação artística e exposições. Isto poderia acontecer a
partir da construção de equipamentos integrados com a educação (a
exemplo das Bibliotecas Parque, de Medellin, ou dos primeiros Parques
Infantis na gestão Mário de Andrade), sobretudo com a expansão,
dinamização e retomada do projeto original dos CEUs, requalificação de
Espaços e Casas de Cultura, recuperação de edifícios históricos,
integração com equipamentos esportivos ou praças e parques públicos, ou
mesmo o melhor aproveitamento de espaços culturais privados.
Desnecessário dizer que esta situação se repete em praticamente todos
municípios do país.
Menos obras físicas e mais articulação e requalificação dos equipamentos
já existentes, menos fachadas e mais conteúdos, pois o fundamental para
a Cultura é o relacionamento em rede e de maneira complementar. Com
isto, de forma rápida -e a um custo relativamente baixo-, as cidades
poderiam contar com Sistemas Integrado de Centros Culturais permitindo
que, para além da custosa construção física, seja possível
disponibilizar recursos específicos para sua manutenção e programação,
compreendendo todo ciclo da produção cultural (patrimônio, formação,
produção e difusão). E este Sistema poderia funcionar tanto em grandes,
médios ou pequenos municípios, diretamente administrados por uma
prefeitura ou através de consórcios intermunicipais.
Para integrar e consolidar o Sistema de Centros Culturais – Cultura em Rede, devem ser adotadas duas ações:
a) Assegurar ao menos uma grande Instituição Cultural (Centro Cultural,
Museu ou Biblioteca Parque) em cada macroregião da cidade (no caso de
grandes cidades, ou ao menos uma Instituição de referência em caso de
cidades médias ou pequenas, neste caso via consórcio intermunicipal),
funcionando como Centros de Referência, integrando e complementando
programação em centros menores, promovendo intercâmbio, interações
estéticas e programação de qualidade variada;
b) Cultura em rede pressupõe articulação e integração entre estrutura
física, programação integrada e ação digital. É neste campo que “Casas e
Praças da Cultura Digital” poderiam atuar. Uma ação de Cultura Digital é
indispensável para o funcionamento de Cultura em rede e deve ser
compreendida de maneira ampla, envolvendo desde a disponibilização de
banda larga pública até inovadoras experiências que integram comunidades
de software livre, metareciclagem de computadores e equipamentos
eletrônicos e trabalhos colaborativos com o desenvolvimento de novas
práticas econômicas sob os princípios da economia solidária – trabalho
colaborativo, comércio justo, consumo consciente, generosidade
intelectual e gestão em rede-. As Casas de Cultura Digital integrariam
estas iniciativas e as Praças de Cultura Digital seriam praças públicas
dotadas de internet em alta velocidade, espaços de convivência para as
comunidades digitais e centros de coleta e reciclagem de computadores e
aparelhos eletrônicos, funcionando como pólos públicos da rede.
CULTURA e EDUCAÇÃO
Quando a Educação se afasta da Cultura ela perde sua alma. Quando a
Cultura se afasta da Educação ela perde seu corpo. Reaproximar Cultura e
Educação é reaproximar corpo e alma.
Um programa de integração entre Cultura e Educação deveria ser
estruturante para todo programa de governo. Há acúmulo teórico e
experiência prática, comprovando que este encontro entre Cultura e
Educação não somente dá certo como é indispensável para uma cultura
cidadã e uma educação emancipadora, como o movimento mundial pelas
Cidades Educadoras, ou o conceito das Escola-Parque, formulado pelo
pedagogo brasileiro Anísio Teixeira, ou dos Parques Infantis,
implantados na década de 1930 em São Paulo, por Mário de Andrade.. Aqui
não se trata da pedagogização da cultura e das artes, mas da integração
entre cultura e educação, em um processo permanente, que aconteça em
todos os lugares, com todas as gerações e por toda vida. A base da
cidadania cultural está neste sutil exercício.
Integrado Cultura e Educação (e também esportes, lazer e meio ambiente) é
possível implantar, paulatinamente, a Educação em Tempo Integral, mas
não em tempo integral na escola e sim utilizando toda a rede de Cultura
da cidade (não somente a municipal, como também de demais instituições a
partir de parcerias). Fora do horário na escola os alunos poderiam
participar:
a) Cursos de iniciação artística em Escolas Municipais de Iniciação
Artística (em Campinas, lamentavelmente, a prefeitura fechou a única
escola pública de música);
b) Formação de público com freqüência a teatros, museus, centros culturais e cinemas;
c) Projetos especiais como o Recreio nas Férias – assegurando
programação cultural e esportiva de férias para todas as crianças e
adolescentes da cidade;
d) Corpos Artísticos Juvenis (ou vocacionais), como orquestras e corais,
grupos de teatro, dança, circo e coletivos em artes visuais ou
audiovisual.
O objetivo seria assegurar a todas crianças e jovens o acesso a, pelo
menos, um curso de iniciação artística e freqüência mensal em, no
mínimo, uma programação em teatro, cinema ou exposição e uma semana de
férias nas atividades do Recreio nas Férias (com atividades de cultura,
esporte e lazer nos pólos de férias, passeios e visitas a áreas de lazer
– quando desenvolvi esta experiência em Campinas, no início dos anos 90
e em São Paulo, no governo Marta Suplicy, conseguimos atender a mais de
100.000 crianças e jovens por edição).
Quanto aos Corpos Artísticos Juvenis, faço um exercício para demonstrar o
quanto é viável. Imaginemos uma cidade que contasse com 50 Orquestras e
Corais Infantis e Juvenis, com participação entre 60 e 100 jovens em
cada um. O custo de manutenção de cada orquestra seria de R$ 400
mil/ano, garantindo contratação de regente e professores por naipe
(violino, violoncelo, percussão, etc…); um sistema de orquestras jovens
com este porte asseguraria 1.000 apresentações de música de câmera por
ano (2 por mês, durante 10 meses, por cada orquestra), envolvendo
diretamente entre 3 a 5 mil jovens músicos, além de gerar postos de
trabalho para músicos recém formados, que atuariam como regentes e
professores de orquestra (aproximadamente 500 no total). Há que
contabilizar também o público beneficiado com a série de concertos,
alcançando centenas de milhares, ou até milhões, de pessoas. O custo
total desta ação seria de R$ 20 milhões/ano (numa cidade que assumisse
50 orquestras jovens), pouco para o alcance educacional e cultural da
iniciativa. A Orquestra de Heliópolis, em São Paulo, é um exemplo de
transformação social e beleza que resulta de um trabalho como este. Por
que as cidades do Brasil não podem contar com tantas mais experiências
como a surgida na favela de Heliópolis, em São Paulo? O mesmo poderia
acontecer com grupos de teatro, dança, coral, etc… (neste caso a um
custo menor por grupo constituído). Como parâmetro de eficácia, devemos
observar o Sistema de Orquestras Jovens da Venezuela, conhecido como El
Sistema (atualmente a Venezuela é o país que mais forma músicos eruditos
no mundo – em relação à população); com 30 milhões de habitantes, o
país conta com mil orquestras e 300 mil músicos em atividade (em
proporção, a cidade de São Paulo deveria contar com 100 mil músicos e
mais de 300 orquestras jovens). Todo município brasileiro pode e deve
ter seu Sistema de Corpos Artísticos Juvenis, seja uma banda de coreto
ou orquestra, um grupo de teatro, dança ou circo, ou vários. Investindo
muito ou pouco, mas investindo e cuidando de sua gente, este deveria ser
o principal objetivo de todo governo.
Sistema Municipal de Bibliotecas, livro e leitura, outra ação
indispensável. Biblioteca é patrimônio cultural e, sobretudo, formação.
Além de assegurar, ao menos, uma biblioteca por município ou distrito,
cabe integrar a rede de bibliotecas públicas com as bibliotecas
escolares, bibliotecas comunitárias e demais iniciativas de difusão do
livro e da leitura. E ir além da integração e disponibilização de
acervos. É preciso atualizar o conceito de bibliotecas, transformando-as
em espaços convidativos e agradáveis, com acervo atualizado e livros ao
alcance direto do leitor (ao menos o acervo mais atual), espaços
iluminados e aconchegantes, atividades lúdicas em brinquedotecas e
constante programação cultural e artística. Há diversos bons exemplos de
como a instituição Biblioteca pode assumir um novo papel de estimulador
social e cultural, que vai muito além da guarda e consulta de acervos. A
cidade de Medellin, na Colômbia, é um belo exemplo de como potentes
bibliotecas se transformam em âncora para a regeneração urbana e o
exercício de uma cultura cidadã; isso também pode acontecer em qualquer
cidade do Brasil.
E para além das Bibliotecas. Há a necessidade de políticas de difusão do
livro e da leitura, levando-o mais próximo ao público, com iniciativas
que vão desde a distribuição gratuita de livros de baixo custo no
sistema de transporte público (a exemplo do programa “Para ler de boleto
en el metro”, na cidade do México) até a organização de bancas/estantes
em praças e pontos de ônibus (a exemplo da cidade de Bogotá, ou da bela
iniciativa de um Ponto de Cultura em um açougue, na cidade de Brasília,
que disponibiliza 100.000 livros nos pontos de ônibus da cidade). E
difusão se faz com gente, Agentes de Leitura (jovens da Cultura Viva,
que difundem a leitura em casas, ruas e espaços comunitários) e o
próprio incentivo à criação literária. Enfim, não há Cultura e Educação
sem a devida prioridade às bibliotecas, livros e leitura.
CULTURA VIVA
Cultura Viva, um conceito de cultura que se desenvolveu no Brasil e se
espalha por toda América Latina. A Cultura entendida como processo e não
produto, feita pela gente, pelas pessoas, sem hierarquias ou controle.
Cultura como expressão simbólica, como construção de valores e cidadania
e como economia. Uma Cultura que se desenvolve com autonomia e
protagonismo, potencializados na articulação em rede. Cultura como
fluxo, potência, afeto, desejo e encantamento.
As cidades formam o melhor ambiente para a Cultura Viva. Mil povos, mil
fazeres e mil sonhos. Tudo junto (e misturado). Para sedimentar a rede
Cultura Viva (ou: o “fazer cultural” autônomo e protagonista) há os
Pontos de Cultura; no Brasil eram mais de 3.000 em 2010, em 1.100
municípios. Os Pontos de Cultura são entidades culturais da sociedade,
com personalidade jurídica própria, selecionadas por edital público e
que já desenvolvem trabalhos em suas comunidades; tem atuação das mais
diversas, das linguagens artísticas às ações sócio-culturais em
territórios de vulnerabilidade social, de grupos eruditos a populares,
do fortalecimento de laços identitários e tradições à experimentação
estética e à vanguarda da cultura digital em software livre. São os mais
diversos recortes, cada qual à sua maneira. Ao se potencializarem em
rede vão se desenvolvendo, tanto do ponto de vista ético, estético ou
econômico. E o fazem em uma relação horizontal, entre iguais (uma
igualdade que se realiza na diferença), rompendo com processos
formativos de cima para baixo, ou de fora para dentro.
Cada Ponto de Cultura recebe um recurso anual de R$ 60 mil e desenvolve
seu plano de trabalho conforme suas necessidades, empoderando-se no
processo. Até o momento esta rede acontece em convênio com o Ministério
da Cultura; mas por que não assumi-la como política municipal? Custa
pouco, por vezes menos que uma festa patrocinada pela prefeitura, com a
diferença de que acontece em processo contínuo, por todo o ano.
Mas Cultura Viva vai além dos Pontos de Cultura e também envolve ações
como “Cultura Digital”, “Cultura e Saúde”, “Economia Solidária e
Cultura”, “Agentes Jovens de Cultura”, “Griôs e Mestres da Cultura
tradicional transmitida pela Oralidade”, “Interações Estéticas”, “Escola
Viva”, “Pontos de Leitura”, “Pontos de Memória”, “Pontos de Mídia
livre”, “Pontinhos (para cultura da infância e lúdica)” e “Pontões
(articuladores, capacitadores e difusores na rede)” de Cultura. Todas
estas ações – e outras- devem ser desenvolvidas junto com os Pontos de
Cultura. Há tanta cultura tradicional, tantos mestres, tantos Griôs e
tanto conhecimento que podem contribuir para o desenvolvimento da
cidade; há tantos Pontos de Mídia Livre, rádios e TVs comunitárias,
sites, blogs, fanzines e revistas independentes que contribuem para
difundir o que de mais profundo e esquecido se produz por aí; tantos
artistas, fazendo coisas belas e dispostos a interagir com comunidades
em efetivas Interações Estéticas, ensinando e aprendendo com elas; a
Cultura e Saúde com terapias alternativas e a arte como elemento de
desenvolvimento das pessoas com deficiências intelectuais ou físicas, a
medicina tradicional e a busca da cura em ambientes saudáveis; Pontos de
Memória, com memoriais e museus comunitários, de vizinhança, temáticos,
afetivos, em escolas; e Pontos de Leitura e suas bibliotecas
comunitárias, as biciclotecas construídas a partir de tanta idéia boa
surgida da mente de gente igualmente boa, por vezes moradores de rua,
catadores de papel que reciclam livros e vidas. Tanta coisa boa e bela
que pode se desenconder por aí, isso é Cultura Viva.
E que pode ir além. Há que desenvolver ações e programas de arte
pública, em apoio à artes e aos artistas de rua, que tanto humanizam as
cidades. E os grupos de teatro e dança, que na falta de apoio
governamental foram abrindo seus espaços próprios, gerando pólos
autônomos de arte, inovação e convivência; mas a manutenção destes
espaços é custosa, cabendo a criação de um arcabouço de apoio (redução
ou isenção de impostos) e financiamento público para Espaços Culturais
de Grupos que assegure a manutenção dos custos fixos; como
contrapartida, esses espaços poderiam oferecer sua própria programação e
uso em atividades e programas como Cultura e Educação e outros. O apoio
ao Circo e aos artistas circenses e todas as suas especificidades, da
regulação do uso de espaços à formação, do circo tradicional ao novo
circo. E as Iniciativas Culturais da Juventude ou grupos culturais não
formalizados, a exemplo do programa paulistano, VAI; ou a Agentes Jovens
de Cultura, para jovens artistas e articuladores culturais; ou o apoio à
ações e manifestações (a exemplo da parada Gay) de combate à
discriminação, sejam de caráter religioso, gênero, étnico ou cultural;
ou às Culturas tradicionais e populares, há tantas, em todas as cidades,
as mais surpreendentes, como em São Paulo, em que os índios Pankararu
redescobrem suas raízes na favela do Real Parque, ou jovens do Hip Hop
que se reencontram com o repente de seus avós; as festas populares, seja
em grandes ou pequenos municípios, sempre presentes. Tanta coisa bela e
sensível, que passa na frente de nossos olhos e que nos diz que a
Cultura continua Viva, não porque é feita pelo Estado ou governos, nem
porque se deixa transformar em mercadoria, mas porque é feita pela gente
e para a gente. E vai além.
CULTURA: direito do povo, dever do Estado
O objetivo: a Arte. E só. Arte como habilidade, criação, beleza.
Convivência.Arte de bem viver. Uma cultura cidadã só pode acontecer se
as pessoas conviverem em estado de Arte, cultivando forma e o espírito
e, no espaço da liberdade de criação, aprenderem a viver com liberdade e
respeito. Arte, conceito difícil de definir e ao mesmo tempo tão
presente em nossas vidas. Por isso mesmo a arte deve permear o conjunto
dos programas de toda política cultural.
Arte necessita de fomento que ative e impulsione o processo criativo.
Nos últimos 20 anos as políticas de fomento em vigor no país estiveram,
basicamente, concentradas em instrumentos da renúncia fiscal,
transferindo recursos públicos para um processo de decisão privada,
submetida à lógica do mercado. Houve iniciativas que caminharam em outro
sentido, apresentando resultados consideráveis, como as iniciadas no
movimento Arte contra a Barbárie, que resultou na lei do Fomento em São
Paulo ou a experiência do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura,
disseminada pela ação do Ministério da Cultura no governo Lula, bem
como os editais específicos de fomento para os campos da identidade e
diversidade e das artes. São contrapontos ao modelo que reduz a Cultura e
a Arte apenas à dimensão produto ou mercadoria. Programas de Cultura
com sentido emancipador deveriam caminhar nesta mesma lógica, em que
Cultura e Arte são consideradas direitos inalienáveis, que devem ser
realizados pelas pessoas, pela sociedade, em ambientes de liberdade
criativa, cabendo ao Estado assegurar meios para que aconteçam em toda
sua potencialidade, com critérios públicos e sem dirigismo, seja do
Estado ou do Mercado.
O principal meio para efetivação desta política deve ser o Fundo
Municipal de Cultura, com dotação orçamentária própria e destinada
diretamente ao fazer cultural e artístico da sociedade, das pessoas.
Como meta: 1% do orçamento municipal diretamente destinado ao Fundo de
Cultura. Para as necessidades de manutenção e investimento direto do
município, as Secretarias de Cultura devem contar com orçamento próprio;
ou, em linguagem técnica: os Fundos Municipais de Cultura devem contar
com rubrica específica, com fonte de recursos assegurada e mecanismos
públicos na definição de acesso a estes recursos.
Chega-se ao valor de 1% do orçamento a partir de que, no mínimo 5% do
PIB nacional (dados do IBGE) advém da economia da cultura. Toda essa
economia gera recursos para as cidades que retornam na forma de tributos
diretos (ISS sobre atividades culturais) e indiretos (arrecadação em
bares, restaurantes, hotéis e demais atividades econômicas diretamente
impactadas pela economia da cultura), nada mais justo que parte destes
recursos seja aplicada na própria atividade que os gerou (permitindo,
inclusive, a ampliação destes recursos com o motor da própria atividade
econômica). Diversas cidades já contam com Fundos Municipais de Cultura,
algumas há décadas (Campinas, por exemplo) e outras começam a implantar
(Campo Grande, recentemente, aprovou lei criando o Fundo e definindo
piso de 1% do orçamento municipal); não faz sentido que grandes ou
pequenas cidades ainda não disponham de algo semelhante. Cabe salientar
que a criação de Fundos Municipais de Cultura está prevista na lei que
cria o Sistema Nacional de Cultura e em poucos anos esta será a única
forma de acesso a recursos nacionais de cultura, que serão transferidos
“fundo a fundo”, a exemplo do Sistema Único de Saúde. Outra fonte de
recursos do Fundo deve ser a receita própria dos equipamentos municipais
de cultura (borderô de ingressos, eventuais locações, doações
diversas), evitando que este recurso se perca no caixa único das
prefeituras.
Com o Fundo Municipal de Cultura é possível manter e ampliar as ações de
fomento; nos grandes municípios podem existir Fundos Setoriais (Artes,
Diversidade e Cidadania Cultural, Patrimônio e Memória, Audiovisual,
Livro e Leitura e Projetos Especiais), seguindo a mesma lógica do
projeto de lei que institui o Pró-Cultura (reforma da lei Rouanet) em
nível nacional – ainda em tramitação no Congresso. Somente com um Fundo
efetivamente estruturado e com recursos suficientes será possível
realizar uma efetiva política de fomento à cultura nos municípios.
Mas para além de uma política de editais para acesso público a recursos
públicos, cabe assegurar uma série de mecanismos de fomento às artes e à
preservação do patrimônio histórico e cultural. As cidades precisam
contar com Conselhos do Patrimônio Histórico e Cultural, bem como com
regras estáveis de preservação, que possam conviver com as necessidades
da expansão imobiliária, sem prejuízo à preservação de nossas
referências históricas, ambientais e afetivas. Cabe a estes Conselhos
assegurar a inventário das áreas envoltórias de patrimônios tombados e
regras prévias e claras para os proprietários do entorno, tornando
sustentável a preservação e até criando compensações, no caso de grandes
e médios municípios, com uma lei da troca do potencial construtivo (em
que o proprietário de um imóvel tombado poderá negociar o potencial
construtivo de seu imóvel em outras áreas da cidade, assegurando
recursos para preservação do bem tombado).
Junto a estas medidas de Fomento e Regulação, cabe, igualmente, manter
Instituições e Programas de Preservação e Memória, que vão desde a
manutenção de Museus e Arquivos à realização e inventários, cartografias
culturais, mapas e roteiros, histórico, ambientais, afetivos e
artísticos.
Medidas institucionais de gestão da Cultura
Os quatro programas aqui apresentados dão conta, ao meu ver, das
diversas dimensões e necessidades de uma efetiva política cultural para o
século XXI, porém, para que aconteçam em plenitude, serão necessárias
medidas institucionais, basicamente previstas na lei que cria o Sistema
Nacional de Cultura, a exemplo do SUS. São elas:
a) Adesão das cidades ao Sistema Nacional de Cultura;
b) Plano Municipal de Cultura, com objetivos, metas e indicadores para os próximos 10 ou 20 anos;
c) Criação, fortalecimento e democratização dos Conselhos Municipais de
Cultura (e criação de conselhos por subprefeituras, quando houver);
d) Criação do Fundo Municipal de Cultura (com dotação orçamentária própria e repasse de recursos por editais públicos);
e) Fortalecimento da capacidade de gestão e formulação das Secretarias
de Cultura (ampliação orçamentária e concurso público para quadro
funcional especializado);
f) Sistema de Informações e Mapeamento Cultural;
E para os candidatos a vereador, fica a sugestão para abraçarem as leis
Cultura Viva e Griô, ora em tramitação no Congresso Nacional e que
também podem ser adaptadas à legislações municipais. Além da Carta
Compromisso com a Cultura, que deveria ser assinada por todo candidato
ou candidata que percebe na Cultura a potência de seu povo.
*Historiador, Ex-Secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura e idealizador do Programa Cultura Viva
FONTE: blogdoalexandrelucas.blogspot.com.br/2012/09/celio-turino-e-se-cultura-fosse.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+BlogDoAlexandreLucas+(bLoG+do+aLeXaNdRe+LuCaS)
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